Manual de Compras
Postado por
Deborah Viana
on sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
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Cotidiano...
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Viajei através de passagens compradas em promoção com destino Rio de Janeiro. Para começar me colocaram no último assento do lado do banheiro, a poltrona da mulher da frente estava totalmente dobrada para cima do meu nariz. Ou seja: viajei cheirando uma poltrona mofada, sem espaço para as minhas pernas, sendo acordada da pior maneira a cada descarga dada ao lado. Resumindo: Viajei de carona!
Sem falar no cara que estava sentado a esquerda, que era bem maior do que eu e ficava encostando a cabeça no meu ombro. Começou a puxar papo falando bem alto que adora ficar com mulheres mais novas, contou uma piada racista que me fez sentir vergonha por participar daquela conversa mesmo como uma simples ouvinte compulsória, nessas horas é que desejo ser grossa, ainda mais por causa do péssimo hálito que o sujeito possuía, esperei ele dar uma brecha para puxar o fone e ligar o ipod para não acabar com o resto do meu humor.
Acho que um lugar no bagageiro junto com o Fila que estava no mesmo avião seria bem mais confortável.
Resolvi ir ao banheiro e olhar o que tanto encantava as pessoas por trás daquela porta. Quando girei a maçaneta saiu uma coreana meio suspeita do local cheia de sacolas na mão.
(Coreana) - OLÁ, OLÁ! QUER OLHAR ? QUER OLHAR?
Bom, tive uma reação assustada com a gritaria da mulher baixinha, com corte de cabelo cuia e resolvi aceitar, pois tinha que seguir a regra de comprar coisas que nunca compraria na minha cidade, somente para saborear o sentimento libertino de poder tudo longe da prisão domiciliar.
(Coreana) -MUITA CANETA! DEMAIS CANETA! OLHA! OLHA!
A baixinha puxou canetas de todos os tipos. Já estava sentindo a minha relação de consumo se manifestar. Resolvi perguntar se também tinha carga para vender.
(Coreana) – PRESTA SIM! RISCA, RISCA, RIIIIIISCA!
Fiquei meio desconfiada por ela responder algo completamente diferente do que tinha perguntado, fiz a sua vontade e risquei para testar o produto, depois repeti a indagação.
(Coreana) – NÃO TEM VREMELHAAA!
Certo! A cabelo de cuia não sabe falar português, só sabe vender como português. Comprei duas que pareciam ser falsificação de uma que o meu pai tem, acabei falando isso em voz alta, pois já estava mais do que constatado que a baixinha não falava a minha língua. Foi quando veio a fúria:
(Coreana) – FALSIFICAÇÃO NO! É CHING-LING!
Puxou o dinheiro da minha mão, enfiou as canetas dentro de uma sacola de papel e voltou para o banheiro.
Aprendi três coisas:
1- Ir a um banheiro aberto ao público apenas por curiosidade e não por necessidade não vale a pena.
2- Não tente contradizer um vendedor estrangeiro que não fala a sua língua. É perda de tempo.
3- Nunca fale a palavra “falsificação” para um vendedor. Não importa o país, ele sabe o significado em todas as línguas. Use Ching-ling porque é um eufemismo aceito pela a classe.
Voltei para o meu lugar meio frustrada com o acontecimento, no final das contas realmente queria as cargas para as minhas novas canetas.
Quando já estava conseguindo cochilar, lembrei de um fato importante: que eu nunca mais poderia usar o banheiro do avião porque tinha uma coreana sacoleira e ressentida trancada nele. Foi o estopim para ficar imediatamente apertada.
Por que sou assim? É só saber que não tem banheiro para ter vontade, ou que não tem água para sentir sede.
E ainda veio uma outra pergunta:
O que diabos essa coreana fica batendo a descarga a cada cinco minutos?
Eu tinha que perguntar isso para aquela vendedora, a minha curiosidade foi atiçada outra vez. Pensei em um plano! Decidi mandar um bilhete anônimo para alguma aeromoça denunciando que havia uma coreana vendendo canetas ching-ling dentro do toilet(nome mais chique), que batia a descarga a cada cinco minutos tirando o sossego dos passageiros e que os mesmos exigiam uma explicação concreta para tanta descarga.
Ócio dentro do avião causa isso. Mandado o bilhete não demorou muito para duas aeromoças irem em direção ao local. Banquei a discreta para que ninguém desconfiasse, principalmente a sacoleira. Não estava preparada para uma praga oriental forte.
Passado um longo tempo, finalmente as aeromoças voltaram para os seu postos, mas nada da pequena pessoa. Olhei para a portinha que estava aberta (automaticamente a vontade passou).
O que aconteceu com a pobre coreana? Colocaram ela para viajar com o Fila?
Depois dessa resolvi tomar um dramin e capotar, essa história já estava me consumindo.
Quando chegamos fui direto pegar a minha única mala despachada.
Vinte minutos esperando e nada da minha bolsa aparecer na esteira, já estava preocupada porque só tinha eu e mais três pessoas esperando, sem contar com um saco aparentemente sem proprietário, do tamanho de um corpo, enrolado em fita adesiva, que já estava na sua décima rodada .
Quando finalmente apareceu a minha bagagem, já não tinha mais ninguém esperando e o saco continuava a rodar. O que tem de tão comprometedor naquilo para o dono não se manifestar?
Até que veio uma luz na minha cabeça que me fez tremer e soltar:
- Coreanazinha???????????
*Foto: Renan Viana*
Fim de Romance
Postado por
Deborah Viana
on quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Fiquei paralisada olhando por 20 minutos, senti um calafrio repentino, as pernas ficaram meio bambas, para acalmar e raciocinar resolvi puxar o ar bem devagar. No que Antônio Parreiras estava pensando quando pintou “Fim de Romance”?
Percebi que a minha mente não poderia chegar ao ápice da mente dele. Junto com a felicidade de estar contemplando a minha obra favorita veio a frustração. Apenas de estar ali ao vivo de frente para ela, tive mudanças instantâneas na minha mente, me tornei uma pessoa melhor. Como o autor se sentiu?Um Deus? Pois ele se eternizou nas suas pinturas por possuir a capacidade de exteriorizar cores, palavras, música, beleza e ódio em uma só tela.
Chega a ser perigoso esse poder de controlar alguns por meio dessas expressões viciantes. Simplesmente um desconhecido conseguiu mexer com fúrias intimas de outros estranhos.
Tive vontade de levar aquela obra junto comigo, mas seria egoísmo guardar algo tão grande em um lugar pequeno e restrito.
Fui embora com apenas uma conclusão: todos fazem parte do mundo, mas poucos participam dele.
Foto: Renan Viana
Representação mental de uma coisa concreta
Postado por
Deborah Viana
on terça-feira, 1 de dezembro de 2009
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Quando a pessoa nasce no Brasil, automaticamente recebe a cidadania do país através da regra “Jus Solis” mitigada.
Quando recebe a cidadania por transmissão de um ascendente, como pai, mãe, avós, bisavós é considerada “jus sanguinis”, ou seja, herda o direito de obter a cidadania de seus ascendentes através do sangue. Neste caso a pessoa passa a poder fazer uso das duas cidadanias, uma vez que o Brasil não exige que se abdique da nacionalidade Brasileira para que se possa fazer uso de outra, herdada dos ascendentes. Após a consolidação da U.E. (União Européia) o fato de possuir esse passaporte vermelho ficou mais atraente.
Tínhamos duas opções, a portuguesa e a espanhola. Depois de algumas pesquisas e a falta de vontade da família do meu avô que era da parte espanhola, decidimos partir para a portuguesa que era bem mais fácil de tirar e que também não era necessário para os bisnetos residir por um ano ininterrupto no país.
Dado o ponto de partida, começaram as investigações. Infelizmente a nossa avó não possuía nenhuma documentação do seu pai, a alternativa seria fazer uma invasão na casa das suas duas irmãs viúvas que eram cuidadas pela a filha de uma delas em um bairro antigo de Belém.
A sorte é que visitávamos as velhinhas ritualmente em seus aniversários sempre levando comida e presentes. Mas naquele dia a intenção era diferente. A filha com toda a boa vontade, procurou dentro de um baú surrado, cheio de mofo e papéis amarelados algum indicio do nosso bisavô português. Depois de uma hora de busca foi descoberto que naquele “bolo” de documentos estava a chave para conseguir o que queríamos: uma carteira antiga onde confirmava a naturalidade.
Mas isso não era o suficiente, era necessário ir para o interior em que ele residiu e casou com a nossa bisavó, para conseguir uma certidão de casamento, e não menos importante, descobrir a Freguesia de sua Origem, pois se não achasse, a pesquisa para a localização da sua certidão de nascimento em Cartórios de Portugal poderia durar anos.
Meus país e a tia heroína (a pessoa que iniciou o processo) partiram de manhã cedo para o interior, em duas horas chegaram no cenário em que a minha avó passou a sua infância e viveu milhões de histórias que conta até hoje.
Foram direto para o cartório que era uma casinha de um quarto com diversos livros antigos e uma máquina de datilografar enferrujada. Foi feita a pesquisa em cima da listagem para a 2º via dos documentos necessários. Já estava praticamente tudo acertado, mas o local de nascimento do ascendente ainda não tinha sido descoberto e havia milhares de pastas para a busca, para completar a funcionária do local informou que nos anos 50 houve um incêndio que levou embora vários documentos.
O meu pai pensou por alguns minutos e decidiu usar como filtro a seguinte pergunta: A pasta mais antiga do cartório.
A Cartorária pegou o documento mais velho que havia e encontrou o que faltava. O local era Celorico de Basto, na Freguesia São Clemente de Basto. Pronto, agora o processo seria bem mais rápido, era apenas necessário pegar todos os documentos da vovó.
No meio da papelada faltou a certidão do vovô, essa missão ficou por minha conta, pois como o mesmo já faleceu e ninguém sabia qual era cartório era necessário fazer uma seleção dos mais antigos. Visitei três cartórios até chegar em um que foi Fundado em 1881. E lá estava a própria.
Depois da entrada do processo da vovó que é a primeira a receber a dupla nacionalidade, entra os seus filhos e logo em seguida os bisnetos que são os limites para este direito.
Epílogo:
Fato importante relatado que acabou mudando os meus objetivos que estavam presos em uma neblina. Precisou haver um empurrão fortuito para perceber que o que eu quero ainda não é um apartamento ou um carro melhor, pois são bases que irão me prender prematuramente a um só lugar. Agora quero a liberdade para fazer as coisas que me fazem feliz.
Quando se destaca tudo na vida achando que cada pequeno detalhe é importante, significa que nada é relevante.